quarta-feira, 9 de junho de 2010

Shakespeare e o Brasil – Jayme Copstein

De repente, como se fosse rodízio em perpétua falta de assunto, o crescente aumento do número de acidentes e mortes no trânsito ocupa a cobertura dos jornais. Para quem apenas passa os olhos por cima do noticiário, sem preocupação de ser meticuloso e de fazer estatísticas, essa tendência ao crescimento sempre existiu.

Se me permitem a reminiscência, em julho de 1966 - há 44 anos - quando eu trabalhava na Revista do Globo, escrevi reportagem intitulada "50 pessoas marcadas", exatamente o número que se previa de mortes por atropelamento, exclusivamente no trânsito de Porto Alegre, caso se repetissem os números registrados no primeiro semestre daquele ano.

Pouco depois, em setembro, quando criaram o primeiro código nacional de trânsito, como repórter do Diário de Notícias me coube entrevistar uma comissão de técnicos que vinha instruir as autoridades locais na aplicação das novas leis. Só nos 15 minutos pela avenida Farrapos, percorrendo o trajeto entre a redação na Avenida São Pedro e o Plaza Porto Alegre, na Rua Senhor dos Passos, eu e o fotógrafo Niro Xavier Gaspary contamos mais de 50 infrações das regras mais comezinhas de segurança, mas nenhum guarda de trânsito para coibi-las.

Durante a entrevista contamos aos técnicos o que tínhamos presenciado. Ouvimos um belo discursos sobre a necessidade de educar para o trânsito, fiscalização eficiente etc. etc. etc. Para poupar tempo e fazer este texto caber dentro do espaço reservado à coluna, salto para 2008, quando se badalou do Oiapoque ao Chuí o advento da Lei Seca.

Eu apresentava, então, o programa Paredão na Rádio Pampa, e perguntei a um entusiasmado agente da Polícia Rodoviária Federal, se aquilo ia "pegar". Não havia bafômetros suficientes para equipar a fiscalização, o que também não tinha muita importância porque não havia sequer agentes em número suficiente para fiscalizar o cumprimento da lei. Mas havia promessas e ele confiava nelas.

Alguns meses depois, a Polícia Rodoviária Federal estava em greve por reivindicações salariais, as fiscalizações municipais já não "estavam mais nem aí" porque ninguém é de ferro, os bares desativaram a entrega domiciliar dos bebuns e tudo voltou ao que era dantes no quartel de Abrantes.

O que aconteceu com a Lei Seca é apenas um dos muitos itens desta questão do morticínio no trânsito – maior do que em todas essas guerras entre tribos africanas que também ocupam o noticiário. Houve escândalos em vários departamentos estaduais de trânsito, induzindo à suspeita de que requisitos mínimos de capacitação tenham sido passados por cima ao se habilitar a multidão de novos motoristas, surgidos com a facilidade de adquirir carros zero. Mas, agora, temos uma novidade para prevenir a morte das crianças nos acidentes: cadeirinhas especiais para acomodar crianças nos bancos traseiros. Faz dois anos que a resolução 277 do Contran criou a exigência só agora ela começa a ser cumprida. A ser cumprida? Como diz a colega Beatriz Fagundes – a conferir. Por falta de cadeirinhas, ficou tudo para setembro.

Enfim, nada muda. Tanto discurso, tanto blábláblá, tanta parolagem só induzem à conclusão: Shakespeare é o maior profeta nascido depois dos tempos bíblicos. Quando escreveu no Hamlet – "Palavras, palavras, palavras" – com toda a certeza estava vaticinando o futuro de um país recém-nascido, chamado Brasil.

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