sexta-feira, 4 de junho de 2010

(In)Cultura (in)útil – Jayme Copstein

Nada como revisar gavetas, discos de computadores, pendrives e quejandos, principalmente quando se tem a mania de anotar coisas e o talento especial para desorganização ampla, geral e irrestrita.

Antes de qualquer outra consideração, avisa-se aos incautos que "quejando" nada tem a ver com queijos. É palavra antiga que significa (ou significava, sabe-se lá se já não foi revogada) "semelhante", "da mesma natureza".

A ressalva é importante porque há pouco, ao noticiar a vitória do Chile na disputa com a Espanha para abrigar o "Telescópio Extremamente Grande", e entrar com a contribuição de alguns milhões de euros para a Organização Europeia para a Investigação Astronômica no Hemisfério Sul, a BBC Brasil afirmou:

"Mais que a qualidade do céu, que favorece a astronomia, pesaria a favor da Espanha o fato de o país estar disposto a investir 300 milhões de euros (cerca de R$ 680 milhões) no projeto".

Com o que fica revogada a noção de que o céu não é o mesmo em toda parte, porque está sujeito a chuvas e trovoadas da semântica, uma vez que a BBC Brasil com toda a certeza revogou a palavra "meteorologia".

O "filotélico"

Por falar em palavras revogadas e inventadas, encontro outra anotação curiosa sobre a origem da palavra filatelia, proposta pelo francês Georges Herpin, em 1864, para designar colecionadores de selos postais. Foi composta com duas palavras gregas, "Philos" (amigo) e "ateles" que tem o sentido de "franqueado", livre de taxas quando referida a objetos. Pois até hoje, colecionadores de selos discutem se o certo não seria "filotelia".

Até aí tudo bem. O sexo dos anjos é uma questão fundamental que a humanidade ainda não conseguiu decifrar, mas o redator de uma reportagem sobre filatelia, após demonstrar conhecimento de causa, lembrando que Herpin a publicou pela primeira vez em Le collectionneur de timbres-poste (O colecionador de selos postais), resolveu acrescentar que "ele ou o linotipista se enganaram, o erro não foi notado pelo revisor e a expressão entrou em uso em todas as línguas do mundo". Como ele explicaria erros de revisão em "filantropia", "filarmônica", e "filargiria, criadas muitos anos antes de filatelia?

A consulta ao dicionário mostra que a "fila" (sem trocadilhos) das palavras com esse sentido é pequena (cinco, no máximo), fazendo companhia a filelênico (a única com esse "e"), mas é correta pela fusão da vogal final em filo com a vogal inicial de antropo e harmonia e helênico. Daí porque é filargiria (amor ao dinheiro) e não filogíria (amor à gíria).

O Papa espírita

Vocês sabiam que houve um papa espírita? Pois uma revista do início do século 20 assegura que o Pio X (1903 a 1914, canonizado em 1951), antes de subir ao trono "ocupara-se apaixonadamente do Espiritismo", tentando falar com os mortos através da mesa de pé de galo (mesinha de três pés, especial para experiências de comunicação com o além). Mesmo depois de elevado ao Papado, Pio X não perdeu o interesse pelo assunto. Foi o primeiro a receber um grosso volume sobre o Espiritismo, escrito pelo seu médico, José Lapponi.

Mas, afinal, o que tem a ver isso com a filatelia e quejandos? Nada, absolutamente nada, mas no início da coluna avisei honestamente que bagunça é comigo mesmo. Quem quiser estágio sobre desorganização, fico inteiramente às ordens. Garanto que meus diplomados nunca mais acharão nada dentro de casa. A não ser, é claro,. Inutilidades como estas notas.

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