terça-feira, 29 de junho de 2010

Catarinas ao vento – Jayme Copstein

Foi no site do Zé Prévidi (www.previdi.com.br), aonde busco a gargalhada de cada dia, que soube de um bar na Cidade Baixa onde as senhoras têm copa franca desde que elas concordem em tirar a camiseta da seleção e andar de catarinas à vela a cada gol do Brasil.

Desencavei as "catarinas" (sempre no plural; no singular é outra coisa) no saco de antiguidades porque tenho certeza de que não faltará alguém, com cara de santo martirizado em folhinha de boliche, que me cite o Cícero mal aprendido no colégio dos padres: "O tempora! O mores!" (Ó tempos! Ó costumes!).

Ora, que hipocrisia: se Cícero em 64 a.C. já se queixava dos costumes, que história é essa de achar que são dos nossos tempos? Mas eu já ia me perdendo: os portugueses d'antanho chamavam os seios de catarinas porque a moralidade de sua época sequer permitia mencionar até as partes menos íntimas da anatomia feminina. O que não impediu um escândalo no século 17, quando Isabel, mulher de Afonso VI, mostrou o pezinho e uma nesga de tornozelo ao descer da carruagem.

De nome comprido como gente de nobreza, a francesa Maria Francisca Luísa Isabel d´Aumale e Sabóia-Nemours, ao casar-se com o Rei de Portugual, trouxe para a ultraconservadora sociedade portuguesa um pouco do brilho da corte de Paris. Luiz Edmundo, em "O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis" conta o incidente:

"Certa vez, Isabel, negligente, vae descer do seu coche vistoso. Abre-se a portinhola. Cercam-na curiosos, varios nobres da Corte, De tal sorte, porém, ela, ao resvalar do perversão da carruagem para o estribo, ergue o merinaque vivaz e sem cuidado, que mostra, não só a biqueira innocente do sapatinho á Cendrillon, mas, ainda - imagine-se o escandalo - todo o arqueado brejeiro do pé curto e gentil, até ao contorno perturbador do tornozelo. (...) Lisboa inteira indignou-se. Lísboa inteira fremiu, agastada e feroz. Audácia! Vira-se já impudicicia igual? Mostrar o pé! E logo quem havia de mostrá-lo? A Senhora Rainha, que deveria ser a mais legitima representante do pudor feminino em Portugal! E nem ao menos se podia dizer que o exhibido fora apenas a curva de um salto fugace, ou o bico imprevidente e irrequieto do calçado, rompendo a polheira de tela, surgindo no estribo dourado do coche. Nada disso. Isabel de Nemours, à luz meridiana, talvez despudoradamente, premeditadamente, havia mostrado, à Lisbôa em peso, por malicia soez, a parte mais recatada do corpo de uma mulher - o pé (...) O interessante, porém, é que esse protesto, e toda essa grita de indignação e pavor, que quase chega aos ouvidos do rei e o obriga a meter numa nau do Estado, em viagem de retorno, Isabel, a índesejada, era feito por senhoras, que se decotavam até quase aos joelhos, sem pensar que mais recato merece, muitas vezes, a curva rósea de um seio breve que a innocente forma gentil de um sapato de couro".

O Rei Afonso VI, se ficou sabendo, com toda a certeza, não tomou nenhuma providência porque "devia" à Rainha, se é que me entendem, por alegadas doenças de infância – ou "supostas", como é moda escrever no jornalismo "moderno". O casamento foi anulado e Isabel convolou núpcias, permitam-me a expressão antiquada, mas solene, com o cunhado Pedro II, assegurando a sucessão ao trono e a moral em Portugal.

Assim sendo, nada tenho a opor que, a cada gol da seleção, as catarinas sejam "baloiçadas" aos ventos deste agitado século 21. Só me preocupa, se o Brasil for campeão por goleada, aonde irá parar tanto silicone.

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