segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Banditismos - Jayme Copstein

Procurem na Feira do Livro, “O jardineiro fiel”, de John Lê Carré. Apesar de romance, é documento importante neste momento em que se acumulam as denúncias contra a indústria farmacêutica.
A própria Associação Médica Americana está apontando a manipulação de resultados de pesquisas, para empurrar venenos a peso de ouro a cardíacos, diabéticos e cancerosos.
Tudo em nome do Lucro, erigido à condição de deus, do qual os laboratórios se transformaram em altares e seus dirigentes, em sumos-sacerdotes.
O problema começou quando o governo norte-americano decidiu, em nome da livre iniciativa, que o Estado não deveria mais subsidiar a pesquisa científica pura. Equivaleu a entregar a chave do cofre a bandoleiros.
Não só foi só a bactéria que causava úlceras de estômago: muita descoberta importante tem sido escamoteada porque contraria o interesse dos grandes laboratórios, inclusive com prejuízos à própria pesquisa científica.
Ninguém está se rebelando contra o lucro legítimo, mas sim contra a voracidade que faz a saúde dos habitantes do planeta mero pretexto para engordá-lo.
Não há nenhuma diferença entre traficar remédios e drogas. Pode ser bom negócio, mas é o mesmo banditismo que deve ser combatido com a mesma veemência.

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Picolés e marmeladas - Jayme Copstein

O deputado estadual gaúcho Dionilso Marcon não pode ver o politicamente incorreto pedaço de gelo enfiado em um palito, tingido de anilinas e temperado com sabores artificiais, chamado vulgarmente de picolé.
Não resiste e até põe de lado considerações transcendentais sobre a origem do dito cujo, se a madeira do palito não veio da Amazônia, se não foi fabricado por uma dessas terríveis multinacionais a serviço do imperialismo colonizador e escravizador dos povos livres da América Latina. Ele próprio faz a autocrítica, como declarou ao jornal gaúcho Zero Hora: “Quem não come um bom picolé?”
O deputado Dionilso Marcon terá de esclarecer é outro vínculo: mesmo sabendo que os de creme levam leite na receita, o que têm a ver picolés com os baixos preços do leite, pretexto para o saque de uma empresa distribuidora de alimentos congelados, com a destruição de toneladas de carnes, doces e embutidos.
Marcon terá um problema muito sério para explicar aos colegas da Comissão de Ética da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, não por questões de refrigeração mas porque eles parecem preferir a marmelada. Foi em nome da doçura que apenas repreenderam o deputado Vilson Covatti com um discreto “o bom menino não faz pipi na cama”, ao julgarem o agenciamento de consultas e as vendas de cirurgias, um bom negócio criado pelos seus assessores parlamentares.
Não riam. São casos muito sérios.

Dirceu e Maluf - Jayme Copstein

O deputado José Dirceu vangloriou-se, dizendo que a decisão do ministro Eros Grau, determinando a confecção de novo relatório era uma advertência à Comissão de Ética da Câmara Federal. É uma afirmação arrogante e grave porque subverte a ordem constitucional, subordinando o Legislativo ao Judiciário, o que nem remotamente passou pela mente do ministro. Ele apenas ordenou a solução de um conflito, sendo duvidoso fosse acatada pelos demais membros do Supremo Tribunal Federal, se submetida a julgamento pleno.
Em contraposição, o deputado Chico Alencar, ex-correligionário de Dirceu, mas ideologicamente afinado com ele expressava a perplexidade da grande maioria do povo brasileiro, em uma frase singela: “Nunca vi ninguém, neste país, ter tanto direito à defesa quanto José Dirceu!”
Tem razão em parte, o deputado Chico Alencar. Também Paulo Maluf nos causa perplexidade por permanecer impune até hoje.
Mas Chico Alencar foi mais preciso na sua análise: “Dirceu está sendo cassado não pelo que representou, mas pelo que deixou de representar", disse, ao justificar o próprio voto, um dos 13 que aprovou o relatório condenando Dirceu.
O tão alegado passado de José Dirceu é um mito, nascido do idealismo da juventude, da urgência que se tem aos 18 anos, de salvar o mundo. Porém, quando a maturidade nos põe em contato com a realidade, todos acabamos constatando que o mundo não vai se perder tão cedo.
Uma minoria finge que não percebe e transforma a profissão de fé em profissão de lucros. Daí resulta o saque do patrimônio público, tenha ele o apelido que as circunstâncias lhe atribuírem, mensalão, o que for. A maioria vai trabalhar porque alguém tem de sustentar os salvadores da pátria
José Dirceu nunca participou das ações materiais de muitos de seus correligionários. Libertado dos cárceres da ditadura, cursou guerrilha em Cuba e não voltou para pegar em armas. Protagonizou uma caricatura de comerciante no interior do Paraná e por lá ficou placidamente até a abertura, quando não corria mais nenhum risco em reaparecer. Glorificá-lo como mentor e autor exclusivo da redemocratização é puro delírio.
Tem toda a razão o deputado Chico Alencar. José Dirceu está sendo julgado não por sua biografia jovem, que esta é a de todos nós, mas por sua biografia adulta, que todos nós queremos banir da nossa história.
Tanto a dele como a de Maluf

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Ovos, galinhas e titicas - Jayme Copstein

A denúncia do envolvimento do senador tucano Eduardo Azeredo com Marcos Valério produziu efeito contrário ao desejado pelos políticos do PT.
Os petistas continuam apegados à tática antiga, a de desqualificar pessoas para tirar a importância e a veracidade de seus argumentos. Ontem, na CPI dos Bingos, na acareação com os irmãos do ex-prefeito Ceslo Daniel, o grande equívoco de Gilberto Carvalho foi exatamente esse. Só conseguiu passar a impressão de frieza, cálculo e premeditação, que em nada ajuda a sua verdade.
No caso de Azeredo, a intenção era desqualificar os tucanos, fortalecer a atenuante do “sou, mas quem não é?’ e aprofundar a tese de terem apenas aperfeiçoado a corrupção, em versão cabocla, nada criativa, do velho enigma do ovo e da galinha – quem nasceu primeiro? Ou, no caso, quem é o mais antigo no pedaço? Como se isso fizesse diferença.
Em vez de sentirem coagidos, os tucanos se irritaram. Compararam as duas situações do “valerioduto”, ocorridas em tempos diferentes: Azeredo foi candidato a governador de Minas, em 1998Lula, a presidente da República, em 2002. Azeredo não se elegeu, portanto não há ilegalidades a punir no mandato que nunca existiu. Lula está no Planalto. Pela primeira vez, a palavra “impeachment” foi pronunciada no recinto do parlamento.
O que tucanos e petistas precisam entender, e nas suas águas, tudo o mais que integrar a fauna política deste país, é que ninguém deseja saber a quem cabe a primazia.
O que interessa mesmo é varrer, de uma vez por todas, a titica do galinheiro.

A toga e a pena - Jayme Copstein

A Justiça Federal de São Paulo acaba de decidir – de uma vez por todas, espera-se – ser o exercício profissional do jornalismo prerrogativa de quem tenha diploma universitário específico.
Algumas liminares têm sido concedidas por juizes desavisados, aqui e ali, sob o argumento de que não se pode cercear a livre manifestação do pensamento.
É a mesma confusão entre atividades de jornalismo e o exercício profissional do jornalismo que existiu no arquivado projeto do Conselho Federal.
O complexo processamento da notícia, desde a coleta da informação até chegar ao público através dos jornais, do rádio, da tevê, exige capacitação técnica e ética de envergadura só propiciada por cursos universitários.
O que alguém pensa, contra ou a favor de qualquer questão, pode ser expressado livremente em qualquer meio de comunicação, no generoso espaço concedido a leitores, ouvintes e espectadores, quando não couber nas seções reservadas aos colaboradores efetivos do veiculo.
Não é o que alguém acha sobre como as leis deveriam proteger direitos e coibir abusos e ilegalidades que o autorizam a envergar a toga de magistrado. Vale o mesmo para o jornalismo.

Ópera dos vivos - Jayme Copstein

Notável em toda a atual crise brasileira é o papel desempenhado por esse cidadão Marcos Valério, de repente surgido do nada como um bonequeiro que transforma políticos de todas as origens em meros mamulengos, movidos a dinheiros espúrios.
Marcos Valério sequer é publicitário. Não passa de um agenciador de serviços que encontrou o filão generoso dos chamados homens públicos, da mesma maneira que Geane Maria Córner descobriu o filão generoso das chamadas mulheres públicas.
Parece ter sido uma questão de “feeling”, como se diz em inglês. Tanto Marcos Valério poderia ter optado pelas mulheres, como Geane pelos homens, dava no mesmo. Esses homens e mulheres eram públicos e público também o dinheiro alcançado, sem nada a ver com preferências sexuais.
Mas o extraordinário não são os trocadilhos que se possa fazer a respeito. O extraordinário é a falta de respeito com todos nós porque, passado meio ano desde que o escândalo estourou, o único punido foi o denunciante Roberto Jefferson.
Os demais, o petista José Dirceu à frente, agora com a coadjuvância do tucano Eduardo Azeredo, continuam protagonizando a Ópera dos Vivos, que era como se chamava o espetáculo de mamulengos no Brasil Colonial.

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

O retrato - Jayme Copstein

Não era nenhum quebra-cabeças, mas bastou juntar fragmentos do noticiário para se ter o retrato de corpo inteiro da tragédia brasileira.
Enquanto o secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, José Otávio Germano, reivindicava do governo federal a criação de um Ministério especializado, já que o Ministério da Justiça parece ter outras preocupações, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cobrado do calote que vem passando no Rio Grande do Sul, mandava o governador Germano Rigotto vacinar os rebanhos, o soldado PM Rosemiro Rodrigues era assassinado por um detento de regime semi-aberto, no prédio que ambos invadiram e vizinhavam.
O Brasil é isso. Na teoria, é verborréia pura, com tiradas, cujo limite entre o engraçado e a grosseria não é muito preciso, mas fazem seus políticos se sentirem inteligentes.
Na prática, é uma propriedade do Estado invadida ilegalmente há 6 anos, sem que nenhuma providência tenha sido tomada para desocupá-lo e dar destino aos seus moradores.
É um homem da lei. vizinhando com marginais porque não ganha o suficiente para ter um cantinho de seu.
É também um marginal, condenado por tráfico de drogas e assalto, recebendo benefícios sem uma avaliação correta das suas possibilidades e sem um programa que o reeduque, obrigado a dormir em uma casa prisional, mas sem fiscalização que o impeça de passar a noite em um prédio invadido.
Mas somos campeões mundiais futebol. Ah! E do Caixa 2 também.

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Pesquisas e patacoadas - Jayme Copstein

Em lugar de provocar risadas em Vladimir Putin, ao lhe propor eixo Brasília-Moscou para enfrentar a hegemonia da União Européia e dos Estados Unidos, o governo brasileiro deveria prestar mais atenção ao que está acontecendo na pesquisa de combustíveis alternativos, para aproveitar as cartas que tem na mão.
Já há muito tempo, desde quando éramos inteiramente dependentes das importações de petróleo, os pesquisadores brasileiros preocuparam-se em encontrar fontes de energia mais baratas. Esbarraram sempre na falta de apoio e na cabeça obtusa dos seus políticos, onde o cérebro foi definitivamente substituído chave do cofre.
Aconteceu assim com a energia eólica, a gerada pelo vento. Em uma publicação da Universidade Federal do Rio Grande, de dezembro de 1966 – há quase 40 anos – o engenheiro Paulo de Castro Nogueira defendia o “Aproveitamento econômico da energia do vento” – esse era o título da monografia – em que demonstrava ser viável, pelo regime dos ventos, a geração de energia eólica na Planície Costeira do nosso Estado. Hoje estamos importando, como grande novidade, a tecnologia alemã.
Chegam notícias da Austrália e da Suécia, de esforços para desenvolver fontes alternativas de energia, de fácil renovação, os chamados biocombus-tíveis.
Os australianos que tem grandes excedentes de bananas e seus engenheiros criaram um gerador de eletricidade, movido pelo metano obtido a partir dos frutos em decomposição. Esperam, no futuro, movimentar até uma usina inteira.
Já os suecos buscam obter o metano através da decomposição de restos de animais, abatidos para consumo e testam a viabilidade em locomotivas mo-vidas a gás.
O Brasil está a léguas na frente desses países. O álcool combustível é uma realidade e até agora não tem a presença mundial que lhe cabe pela estrei-teza dos barões da cana-de-açúcar, cujo bolso maior do que os olhos lhes impede de enxergar bem mais adiante.
Há também o biodiesel, desenvolvido a partir da mamona, para satisfazer as nostalgias infantis do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, quando as melhores fontes são o girassol, o nabo, o babaçu, dendê, milho, soja e até o próprio óleo queimado em frituras nos restaurantes e em casa.
O óleo de mamona, por suas qualidades como solvente na industrialização de plásticos tem preço de mercado muito superior, e seria desperdício, para não dizer rematada asneira, queimá-lo nos motores.
Mas não é o que importa neste momento. Importa é que concentremos apoio e esforços, para estender a liderança que já temos nos laboratórios ao mercado internacional.
Encurtará bem mais a distância que nos separa dos líderes mundiais do que as patacoadas travestidas de ideologia, que tem a catinga dos cigarros e os eflúvios do álcool consumidos nos bares da Cidade Baixa.

A fraude - Jayme Copstein

Os deputados Alberto Fraga, do PFL de Brasília, da campanha do “não”, e Raul Jungmann, do PPS de Pernambuco, da campanha do “sim”, continuam o debate sobre a proibição das armas de fogo, agora enfocando os custos da campanha.
Fraga confessa uma dívida de 900 mil reais. Diz que recorrerá à indústria de armamentos – Taurus e CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) – para obter o dinheiro, se ele não vier de outra fonte. Em outras palavras, se não cair do céu.
Ao que tudo indica, esta foi a origem – o céu – do dinheiro para pagar a campanha do “sim”. Seu tesoureiro, o deputado Raul Jungmann, não tem preocupações a respeito, como se apenas o “não” tivesse pago pela produção dos programas de tevê. As dívidas foram saldadas e ele pode dar-se ao luxo de acusar os antagonistas de entrarem no jogo com cartas mar-cadas pelos fabricantes de armas.
Jungmann teria toda a razão se não excluísse o “sim” da tramóia que acusa. Mas sua denúncia convida à reflexão. Basta atentar para as montanhas de dinheiro, de origem espúria, envolvidas nas campanhas eleitorais, para se chegar à conclusão: a política no Brasil é uma imensa fraude.

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Onde está a honestidade? - Jayme Copstein

Fosse o Brasil uma democracia de verdade, a Justiça Eleitoral não teria proibido, no rádio e na tevê, o livre debate das idéias em confronto e sobre a própria natureza da consulta que se fazia ao povo no referendo de domingo. Simplesmente, câmeras e microfones foram liberados para militantes de cartas marcadas trocarem asneiras e desonestidades.
Desfilaram estatísticas, sacadas não se sabe de que algibeira, ora para defender o “sim”, ora para defender o “não”, que tanto serviam a uma e outra posição. Argumentos, os mais canhestros, apelaram até para o orgulho nacional, como aquele de que o Brasil podia dar exemplo ao mundo, como se fosse de verdade o primeiro país a abolir o comércio das armas, ou o único que pretendesse fazê-lo.
Na origem da violência que no Brasil assume caráter de crueldade, não se tocou. Sempre que o debate se aproxima da ignorância que também gera pobreza e corrupção, juntas ou separadamente, ele é descartado. Porque, aí, teríamos é exemplos a seguir como o da Nova Zelândia, da Coréia do Sul e do Chile, que chegaram aonde estão, resolvendo as deficiências do ensino fundamental.
Não há outro caminho para formar cidadãos. Mas a educação, ponto básico é mantida deficiente, em países como o Brasil, porque assim se impede que as pessoas adquiram discernimento e cidadania, libertando-se da tutela dos aventureiros de direita, de esquerda, de centro e do que mais inventem em ideologias, só interessados no poder e nas suas benesses.
Persiste entre nós o mito do bom selvagem, segundo o qual o homem nasce puro, a sociedade é que o corrompe.
É uma idiotice. O selvagem é escravo da urgência de seus instintos mais primitivos. É a educação que o civiliza para construir uma sociedade, que será tão mais justa quanto mais educados forem seus cidadãos. Fora disso, há apenas militância a serviço de espertalhões que desejam o poder a qualquer preço.
Não há ideologia que substitua a educação. Muito menos de referendos mal ajambrados, feitos para enganar o eleitor, passando-lhe a idéia de que está resolvendo alguma coisa. No máximo, está é referendando a demagogia barata que atrasa esta Nação.

Farolices - Jayme Copstein

O referendo de ontem foi pura farolice. Pouco importa se ganhou o “não”. Pouco importaria se vencesse o “sim”.
O referendo não decidia nada. A legislação que originou a consulta, clara e severa ao regulamentar a posse e o porte das armas de fogo, se contradizia ao proibir o fabrico e a venda.
Se permitia a alguns o uso das armas, não tinha como impedir a fabricação legal para vendê-las aos aquinhoados. A proibição era nula. A não ser que deliberadamente se pretendesse o fim da indústria nacional das armas, para favorecer empresas estrangeiras. Uma nova modalidade de mensalão.
Nada pôde ser dito no rádio e na tevê, canais de informação para mais de 70% da população, porque a Justiça estendeu ao referendo a legislação fascista que impede o debate no período eleitoral.
Pagamos 250 milhões de reais para continuar assistindo ao espetáculo de um governo que não consegue impedir nem mesmo que um boi pesteado passe pela fronteira do Paraguai, mas pretende, com um referendo, terminar com o contrabando das armas de guerra que abastece os bandidos do país.
É muita soberba e alienação.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

O preço da farsa - Jayme Copstein

Flávio Koutzi, deputado estadual do Rio Grande do Sul, sempre destacado entre os melhores parlamentares de todas as legislaturas, desde a redemocratização, anuncia que não concorrerá a nenhum mandato nas eleições de 2006.
Koutzi diz que encerra um ciclo da sua vida pública e justifica a decisão extrema com as denúncias de corrupção envolvendo o seu partido, o PT, e o baixo nível dos debates na Assembléia Legislativa.
Diferenças e discordâncias ideológicas à parte, Koutzi é vítima, como todos nós, desta farsa chamada voto proporcional, em que o eleitor é convocado apenas para sacramentar a perversão do sistema. Ele jamais sabe em quem está votando, menos ainda quem está elegendo. Pior ainda: o próprio deputado não sabe quem o elegeu, com o que e com quem tem compromissos.
O raciocínio é muito simples. Como ninguém se elege com o número exato de votos, exigidos pelo quociente eleitoral, sempre o faz ou com excesso de votos que descarrega em outros candidatos da legenda ou com os votos descarregados de seus companheiros de chapa.
Então, os candidatos não necessitam ter plataformas, programas, idéias a defender. Disputam as eleições como se fossem concursos de beleza em que as pernas bonitas são substituídas por promessas de bíblicos paraísos ressuscitados. Vencem os delírios mais febris.
A desilusão não é só de deputados como Flávio Koutzi. É do próprio eleitor que freqüentemente pensa em anular seu voto, como protesto. Melhor faríamos todos se trocássemos nossa decepção por veemente exigência do voto distrital que corrige a distorção.

Os enciclopedistas - Jayme Copstein

Estava previsto. Ingênuo, quem achasse que não. Cadeia no Brasil é monopólio de chinelão, que não tem sequer chefe de quadrilha para lhe pagar a fiança e livrá-lo das grades.
Paulo Maluf e o filho Flávio, enciclopedistas do Direito Penal, tal a variedade dos seus crimes e o valor dos respectivos “cabritos”, para usar expressão popular, foram soltos pelo Supremo Tribunal Federal, após cadeia de 40 dias. O prazo foi excepcionalmente longo no país, para gatunos de grande alcance.
O bacharel defensor, voz embargada, estilo novelão de tevê, comunicou à imprensa que Maluf e seu zarelho estavam com os olhos rasos dágua, quando receberam a fausta notícia.
Comovente. Além do mais, decisão judicial não se discute, cumpre-se. Nada a fazer, apesar de o desfecho contrariar decisões anteriores do próprio Supremo Tribunal Federal.
Os cinco ministros que libertaram os Maluf podem argumentar com todas as sutilezas possíveis de leis feitas para garantir impunidade a quem possa pagar bons defensores. O problema é a perplexidade da opinião pública que finalmente começava a se convencer da revogação do velho provérbio – quem rouba tostão, é ladrão, quem rouba milhão, é barão.
Sem falar, por inútil, nas lágrimas das crianças famintas, dos velhos doentes, das viúvas desamparadas, cujos infortúnios seriam amenizados com pequena fração do dinheiro público que os malufes da vida embolsaram.

O fim - Jayme Copstein

José Dirceu acende velas a todos os santos, para escapar da cassação de mandato, fantasiando firulas jurídicas que impeçam a incorporação da batota do mensalão ao seu passado de salvador da Pátria.
Ele precisa deste passado para continuar alimentando sonhos todo-poderosos. Até Roberto Jefferson desmascará-lo, Dirceu engordava sua biografia de mitos de condotiere, de fuehrer ou de guia dos povos, no melhor estilo das ditaduras que empestaram o mundo no século 20.
Agora tenta se livrar do escândalo do mensalão, grudado na pele, na crença de que manobras bem-sucedidas para absolvê-lo por uma acrobática falta de provas, podem devolver a lenda esvaída.
Chega a ser melancólica a semelhança que sua figura guarda com Adolf Hitler, mobilizando exércitos imaginários nos dias finais do regime nazista.
Hitler achava que a nação alemã só existia para servi-lo e não merecia sobreviver sem ele. José Dirceu parece achar que o PT e as esperanças e ilusões que mobilizou e incutiu nas pessoas estiveram à sua espera, desde tempos imemoriais, e devem extinguir-se com ele.
Até agora, os esforços de José Dirceu têm sido vãos. Ainda aposta algumas fichas na decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal, em escaramuças na própria Câmara de Deputados. Não leva em conta que, além do esfacelamento do PT, já consumado, significará a destruição do que resta de credibilidade do legislativo brasileiro, sem em nada alterar a opinião pública..
A história não o perdoará jamais.

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Regras e exceções

Quem saiu do fundo do armário, no início desta semana, foi Itamar Franco, já em plena campanha para se eleger senador por Minas Gerais.
De pouco vale perguntar se não é cedo demais. Também, se não há ilegalidade, pois a legislação eleitoral proíbe campanhas precoces.
No Brasil as leis se caracterizam pela elasticidade. Têm o comprimento – e em conseqüência, o cumprimento – das circunstâncias.
Itamar Franco consegue ser pequeno em tudo, nos rancores pessoais, na preferência pelo fusca, na tola exibição de namoradas, no seu legado público. Era um político obscuro de Minas Gerais e foi o único entre os muitos consultados a aceitar a candidatura a vice de Fernando Collor de Mello.
Assumindo a presidência da República, os bastidores do Planalto registram, a luta para mantê-lo ocupado com insignificâncias, sem meter o bedelho no Plano Real. Foi nomeado alguma vezes embaixador do Brasil, mas sempre se limitou receber os proventos sem exercer o cargo.
Agora, em flagrante infração à legislação eleitoral, antecipa sua campanha para o Senado. Vai lhe acontecer alguma coisa? Ninguém sabe. Terá ele saído lista das exceções e sido enquadrado na regra geral?

terça-feira, 18 de outubro de 2005

Gafieiras e mensalões - Jayme Copstein

Um ouvinte pergunta qual seria a posição da mídia se tudo caminhar para a impunidade, como sugerem as danças e contradanças “na grande gafieira em que se converteu Brasília. Como vocês jornalistas reagirão a tamanha afronta?”
O ouvinte comete injustiças e equívocos. A injustiça está na comparação. As gafieiras exigem um mínimo de respeito, o que não se consegue nem para remédio na zorra do mensalão.
O equívoco diz respeito à mídia, coletivo criado denominar os veículos de comunicação social, mas cujo sentido é deturpado por quem não consegue conviver com a diferença de idéias. É a mesma loucura do imperador romano Calígula, que lamentava não ter o povo romano uma única cabeça, para ser decepada por um só golpe de espada.
A mídia, se é que isso existe fora desse conceito meramente técnico, fará o de sempre. Continuará expressando a revolta e a perplexidade dos ingênuos, mais uma vez enganados pelos gatunos que correm junto com as vítimas e gritam “pega ladrão!”, para não serem identificados pela Polícia. No caso, os eleitores.
Tudo é hipótese, porém. O mais provável é que a afronta não seja cometida. Fomos todos longe demais, os gatunos na sua ousadia, os demais na indignação, seja por sinceridade ou mero teatro. Difícil recuar.

No mundo da lua - Jayme Copstein

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de engolir, sem tugir nem mu-gir, no início desta semana, na abertura da 15ª Reunião de Cúpula Ibero-Americana, a observação de Kofi Annan, secretário-geral da ONU, que de nada adianta os países latino-americanos combaterem a pobreza se não investirem contra a corrupção e na transparência na administração pública.
Lula havia discursado mais uma vez, defendendo a tese de que a fome é problema meramente político, cuja solução depende apenas de vontade.
Não pôde contrapor que a Kofi Annan faltava autoridade para falar em moralidade, com o envolvimento de um filho em milagres de multiplicação de pães, no programa petróleo por alimentos da ONU, porque o papo poderia enveredar pelos milagres da eletrônica, que transformaram os vinténs da empresa merrequinha de seu filho Fábio em bolada de cinco milhões de reais. Isso sem falar no mano Genézio, o grande cientista que descobriu a invisibilidade: andou e bordou no Palácio do Planalto, sem ser visto por ninguém.
Enquando seu assessor de assuntos alienatórios, Marco Aurélio Garcia, dizia que todos os países hoje estão sendo afetados pela corrupção, dentro linha teórica “eu sou, quem não é” do mensalão, Lula preferiu felicitar Annan pela classificação de Gana ao mundial de futebol na Alemanha, tema que transcende ao fome e a tudo o mais. E foi para a Rússia, tratar com Vladimir Putin da ida de um astronauta brasileiro ao espaço.
Como vive no mundo da lua, sente-se isolado. Quer companhia.

sábado, 15 de outubro de 2005

A um antigo tropeiro - Jayme Copstein

Um antigo tropeiro juntou os aperos, encilhou o pingo e tomou o caminho das estrelas, para a grande invernada do nunca mais. Chamava-se Luiz Menezes.
Foi o que a alma romântica deste velho Rio Grande teve de mais puro e genuíno. Eu o conheci no fim dos anos 50, quando ambos, redatores da velha PRH-2, a Rádio Farroupilha, remávamos contra a corrente, para salvar um espetáculo que se esvaía.
A tevê já estava consumada no cotidiano das pessoas. Tudo que nos restava – e sabíamos disso – era preservar as lembranças dos espetáculos idos e os sonhos não vividos, para que não se derramassem em escombros, como taperas nos descampados.
Dividíamos uma sala no último andar da Galeria do Rosário, onde a emissora tinha sede. Olhávamos o horizonte contendo o Guaíba, falávamos das coisas bonitas que ainda desejávamos criar. Era preciso sair daquele cenário porque a vida é um imenso palco e tínhamos outros papéis a desempenhar pelo tempo a-fora.
Menezes preferiu voltar para o seu amado Quarai. Lá era o seu lugar, dizia. E lá ficou o resto da existência, com Sônia, sua segunda esposa, e contando em versos e música como é bom a gente estar vivo para se amar o que é belo.
Luiz Menezes morreu, como os dizem os jornais? Não acredito. Se vocês olharem para o céu, pode ser que aquela luzita pisca-piscante seja alguma estrelinha caborteira tentando seduzi-lo, encantada com seu jeito arrumado de cavalheiro e a palavra mágica que encantava. Mas, com mais certeza, será a brasa do seu palheiro, tremelicando ao som do Piazito Carretero, uma das muitas eternidades que semeou em sua passagem por este planeta.

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

No mar da impunidade - Jayme Copstein

Apesar da aparência lunática, as águas por onde navegam lampeiros bandidos assassinos ou políticos corruptos, correm aqui mesmo na Terra, neste país glorioso chamado Brasil. É o Mar da Impunidade.
O bandido que trucidou uma advogada em Porto Alegre, tem folha corrida de vários metros de comprimento. Foi solto por estranho equívoco. A Superintendência dos Serviços Penitenciários não foi informada pela Justiça da sua prisão preventiva.
Há muito tempo, sem que ninguém incomodasse, o bandido fazia ponto onde cometeu o crime. Ao ser preso, disse que a vítima tentara fugir, por isso disparou a garrucha.
Mas que a Polícia não o mate quando o encontrar. Direito de fugir e de reagir é só para criminosos. No Mar da Impunidade, o resto da população pode ser executado sumariamente.
Já os deputados flagrados no mensalão, quando alegam falta de provas, lembram a velha anedota do marido que espreitava pelo buraco da fechadura para surpreender a mulher em adultério. Viu o casal se despir, até o momento em que o amante pendurou a cueca na maçaneta da porta e lhe tapou a visão. Nunca ficou sabendo se fora ou não traído.
No Mar da Impunidade, além do uso habitual, cuecas guardam dólares e tapam buracos de fechadura.

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Os ETs da Terra - Jayme Copstein

A indústria farmacêutica deve estar dando estrondosas gargalhadas da punição que o Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, lhe aplicou pelo boicote aos medicamentos genéricos.
Demorou 6 longos anos até que os ilustres conselheiros se reunissem para aplicar a multa de 1% sobre o faturamento daquele ano, assim mesmo em decisão apertada – três votos contra dois.
Um por cento do faturamento anual é quinquilharia para a indústria farmacêutica. Muito mais do que isso ela gasta em mimos para a classe médica, que vão desde DVDs portáteis a viagens e participação em congressos no outro lado do mundo, com tudo pago, do bom e do melhor.
A denúncia foi apresentada à Secretaria de Direito Econômico pelo Conselho Regional de Farmácia de Brasília em julho de 1999, após constatar-se que, sob a liderança do laboratório Janssen-Cilag, a indústria farmacêutica formara cartel para boicotar a fabricação e, portanto, a venda de genéricos aos consumidores.
Quatro meses depois, em novembro, a Secretaria de Direito Econômico tomou medidas para acabar com o boicote e encaminhou o assunto ao Cade. Ali o processo ficou dormindo até agora, quando a multa irrisória foi aplicada. Denúncia à promotoria e indiciamento criminal nem pensar.
A indústria farmacêutica tem se destacado, nos últimos anos, por um triste papel em todos os países do mundo. Ainda está na memória de todos, a queda de braço do governo brasileiro com os fabricantes do coquetel da AIDS, que desejavam duplicar o preço dos medicamentos, simplesmente extorquindo proveito da desgraça alheia.
Na segunda-feira, era o New York Times denunciando que a indústria farmacêutica mundial impediu, por 20 anos, a divulgação da descoberta de Robin Warren e Barry Marshall, ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia de 2005. de que uma bactéria causava as úlceras de estômago. Tudo porque estavam faturando um bilhão de dólares por ano com outros medicamentos.
Estamos chegando a um ponto em que será necessária uma ação internacional para dar um basta nesta situação. Os inimigos do gênero humano não serão ets, não virão de outros planetas, como sugerem as histórias de quadrinho. Eles estão aqui mesmo, dissimulados sob a capa de anjos que zelam pela vida das pessoas.

O dilema das minhocas - Jayme Copstein

Proibidos no rádio e na tevê os debates sobre o tema do referendo de 23 de outubro, só podemos falar de coisas transcendentais, como a influência das rolhas no pensamento abstrato das lulas oceânicas em sua abordagem dialética da repentina paixão do peixe-boi pelas vacas aftósicas.
O que não exclui especulações sobre o dilema das minhocas, caso comprovado de que, quem tem duas cabeças, não tem nenhuma. Vive no eterno dilema de descobrir qual delas é a da direita e a da esquerda, isso se estiverem na horizontal esses importantes oligoquetas – é o nome cientifico da ditas cujas minhocas, nada a ver com oligarquias e picaretas que infestam a política nacional.
Mesmo na horizontal, depende do enfoque. A cabeça da minhoca não estaria nem na esquerda nem na direita mas na frente ou atrás. Se estiver pendurada em um gancho, como boa parte dos brasileiros no SPC, tem a cabeça de cima e a cabeça de baixo.
O caso é sério. Ao contrário do que se diz, o esporte favorito do brasileiro não é o futebol mas correr atrás do fim do mês. Sempre chega depois.
Como se vê, há coisas mais importantes do que referendos. Por exemplo: qual a origem das armas que mataram o prefeito Celso Daniel? É bom achar logo a resposta antes que o filme termine por falta de personagens.

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Águias e moscas - Jayme Copstein

José Alencar é um político regional, cujo nome só atravessou as fronteiras de Minas Gerais por ser o companheiro de chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Comparado aos dois antecessores, do período da redemocratização, é flagrantemente o mais despreparado.
As excentricidades de Itamar Franco ou a discrição tumular de Marco Maciel geraram, aqui e ali, algumas notícias menos rotineiras. Jamais foram vistos ou ouvidos desfechando canhonaços contra o governo ao qual estavam ligados pelo cordão umbilical.
No próprio episódio que culminou com a cassação de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco teve comportamento exemplar. Não contribuiu com uma fagulha para atear a fogueira ou avivar as labaredas.
José Alencar com freqüência põe em risco a própria estabilidade financeira do país, em análises bisonhas da taxa Selic de juros, instrumento do Conselho Monetário Nacional para controlar a inflação.
Anteontem, em entrevista coletiva, calculou em atraentes 70 bilhões de reais a soma anual dos juros que pouparíamos, se a taxa Selic desabasse de repente, de 19 para 10%. Não entrou em suas contas a inflação que explodiria no mesmo momento, pondo na lata do lixo os 15 anos de sacrifícios para consertar o desastre de José Sarney com sua ridícula moratória.
O que dá estatura a políticos é o provérbio latino: “Aquila non capit muscas – A águia não cata moscas, não se ocupa de miudezas.
No caso de Alencar, cabe o brasileiríssimo – em boca fechada não entra mosca.

terça-feira, 11 de outubro de 2005

“Aquilo” e o Procon - Jayme Copstein

O Código de Defesa do Consumidor parece ter ido parar na lata do lixo, no Rio Grande do Sul, onde de um tempo a esta parte o Procon mostra-se desinteressado de seu papel.
Reclamações contra varejos estão sendo encaminhadas a fabricantes, no mais flagrante desrespeito às disposições da Lei de Proteção do Consumidor. Alguns varejos, assim bafejados, criaram a figura do todo-poderoso gerente loja. Sabe tudo e tenta desanimar reclamantes, desmoralizando o Procon, dizendo que “aquilo” – “aquilo” é Procon na boca do todo-poderoso gerente de loja - demora uma eternidade para resolver qualquer problema.
É o caso de um consumidor que comprou um aparelho de tevê Philco, daqueles panorâmicos, e pagou os extorsivos juros de sempre.
O aparelho viveu queimando. O modelo revelou-se um fiasco. Até o franqueador original desistiu de continuar com a marca, passando-a adiante em transação que foi noticiada pelas revistas de economia.
Só que o nosso consumidor, sem nada a ver com isso, continua recebendo ofertas de devolução do dinheiro sem os juros cobrados, aparelhos menores e de menor valor. Enfim, parece tudo virado em casa de mãe Joana.
Há outra infração grave aos direito do consumidor, comum no Rio Grande do Sul. Lê-se diariamente nos jornais e se ouve no rádio e nas televisões, ofertas de preço à vista ou em dez prestações sem juros.
Quando sai a nota fiscal, os juros estão lá estampados. Além da propaganda enganosa, transação à parte e sugestão muito forte de recolhimento inadequado de impostos.
Bom, se “aquilo”, como o todo-poderoso gerente da loja chamou o Procon – qual será a razão de tanta intimidade? – decidisse cumprir seu papel, com toda a certeza o governo do Rio Grande do Sul apresentaria melhores resultados na defesa do consumidor.

Da ignorância à safadeza - Jayme Copstein

O New York Times de hoje revela a oposição da indústria farmacêutica mundial, 20 longos anos, à divulgação da descoberta de Robin Warren e Barry Marshall, ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia de 2005.
Ainda no início dos anos 80 do século passado, os dois cientistas conseguiram provar o papel da bactéria Helicobacter pylori na origem das temíveis úlceras de estômago, que com facilidade evoluíam para tumores malignos.
A resistência à descoberta estava ligada ao interesse de pesquisadores na cobrança de roialties e da indústria farmacêutica, faturando um bilhão de dólares por ano com substâncias como a cimetidina, o conhecido Tagamet dos ulcerosos do fim do século passado.
A tese de Warren e Marshall foi tachada de ridícula, sob o argumento aparentemente racional de que o corrosivo ácido gástrico digeria também os germes que acaso se arriscassem a penetrar o estômago.
É a mesma linha de raciocínio que levou cientistas à fogueira na Idade Média. Se a Terra era redonda, como os rios não se entornavam em cima das pessoas?
A diferença é que, naquela época, a ignorância ditava o fanatismo. No caso do Helicobacter pylori, a ganância impôs a safadeza.

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

O passo da marcha - Jayme Copstein

Francisco Salazar da Silveira, de Caxias do Sul, pergunta o que se quis dizer com joanices-do-passo-certo, sexta-feira.
Não se quis dizer nada que não esteja na história passada ou presente deste país. Como passado e presente se somam em futuro, o amanhã não deverá ser muito diferente.
Francisco alega que a história do café já aconteceu há mais de meio século. Mas a do tabaco, não. Foi no ano passado, que o nosso governo quis livrar o mundo do cigarro, erradicando as lavouras de fumo. Deu marcha-à-ré premido mais pelos protestos generalizados do que pelo bom-senso.
Foi Fernando Borba, talentoso cronista de Bagé, Rio Grande do Sul, hoje esquecido, quem criou a melhor anedota para ilustrar o nosso bom-mocismo, fora de compasso com a realidade do mundo.
Um casal, assistia seu filho de dez anos, desfilando com outros coleguinhas de escola, na Semana da Pátria.
“Olha só, querido”, disse a mulher. “Nosso filho é o único de passo certo no meio dessa gurizada toda”.
Ao que o marido acrescentou: “O único patriota também!”
Não duvide, Francisco Salazar da Silveira,de Caxias do Sul, que amanhã o governo comece a cobrar no Brasil o imposto internacional da fome. Só para mostrar ao resto do mundo qual o passo da marcha.

sábado, 8 de outubro de 2005

O barqueiro submerso - Jayme Copstein

Por toda a semana passada, adiamos a notícia, na esperança de que apenas o barco tivesse submergido, mas Garibaldi da Silva, o Garibaldi de Santa Rosa, conseguindo se salvar, estivesse em algum canto deserto, à espera de socorro.
Mas, não. O pior aconteceu. O rio Ijuí devolveu o seu corpo, destruindo as esperanças. Garibaldi incorpora-se agora à plêiade de ouvintes que ajudaram, a dar consistência e conteúdo ao Brasil na Madrugada.
Fazia 15 anos que ele participava da nossa Tribuna Livre. Começou quando o antigo Gaúcha na Madrugada passou a ser transmitido através do satélite e mudou de nome para fazer espelhar a sua abrangência nacional e internacional.
Garibaldi era um brasileiro típico. Inteligente, vivaz, interessado pelo ocorria mundo afora, pulava alguns obstáculos da instrução que não tinha para entender certas coisas.
Este é a drama desta Nação: gente capaz e que não mobiliza toda a sua potencialidade porque educação é mero engajamento político. Ou se adoram as estátuas de pedra ou se mobiliza as pessoas para defender arrivistas que só têm em mente o poder.
Fica-se imaginando aonde o Garibaldi de Santa Rosa poderia ter chegado se este não fosse o país dos PC Farias, dos Joões Alves, dos mensalões. Fica-se imaginando aonde chegaria se não lhe tivessem negado a oportunidade de crescer intelectualmente – como de resto, é negada a toda a população carente.
É inútil especular ficções. A realidade está gritando: Garibaldi Silva, o Garibaldi de Santa Rosa, o máximo que conseguiu atingir aos 57 anos de idade foi trabalhar como vigilante de rua. Decidiu completar o magro orçamento daqueles vinténs diários, tornando-se barqueiro nas águas do Ijuí, sem treinamento e sem sequer saber nadar. O rio o tragou para sempre.
Não é nem herói nem vítima. Garibaldi da Silva é apenas mais um personagem banalizado da tragédia brasileira.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Joanices brasileiras - Jayme Copstein

Se verdade ou mito, os entendidos dirão. No início dos anos 50, comentava-se que a ruptura de relações com a União Soviética havia proporcionado bons negócios a quem não era tão Joãozinho-do-Passo-Certo como o Brasil.
A URSS, com quase duas centenas de milhões de habitantes, era excelente mercado para o nosso café. Seu governo lidava com o problema do alcoolismo e buscava incutir na população o hábito de bebidas também estimulantes, sem os malefícios da vodca.
Convocados para a linha de frente, no combate ao “comunismo-comedor-de-criancinhas”, decidimos dar exemplo ao mundo. Envergamos o lustroso uniforme de Joãzinho-do-Passo-Certo e rompemos relações com os soviéticos.
Logo apareceram nos principais centros europeus, intermediários que compravam nosso café a preços vis e o revendiam com saborosos lucros aos “inimigos da liberdade”. Mas que importância tinha, se estávamos salvando o mundo?
Só que o mundo não ia nem vai se perder tão cedo. Nós, sim é que perdemos presença no mercado mundial do café.
Qualquer coincidência com outras joanices-de-passo-certo, presentes, passadas ou futuras, é mera semelhança.

Voto distrital (debate) - Jayme Copstein

Geraldo Crivelatti, de Porto Alegre, debate o voto distrital. Ele escreve:
“De que adianta um ‘distrito eleitoral’ eleger seu candidato se, quando no exercício do mandato ele será obrigado a proceder e a votar com o que determinar seu partido. Portanto, jamais poderá, mesmo que intimamente o queira, servir ao "distrito" que o elegeu. Isso sem citar que, em conluio com o próprio partido, poderá se deixar abraçar pelos mensalões e mensalinhos, e até votar até contra os anseios do ‘distrito’.”
Geraldo Crivelatti alinhou sólido argumento, mas contra o voto de lista, que querem nos impingir para simular mudanças que nada mudam.
Voto distrital tem um recurso precioso que submete os políticos e os partidos à fiscalização dos eleitores. Chama-se “retomada do mandato”. Em inglês, “recall” – significa revogar, cancelar.
Determinado percentual dos eleitores do distrito – em alguns países, 40%, em outros, 50% – pode requerer à Justiça a revogação do mandato de políticos que descumprem promessas de campanha ou quebram o decoro, não só o parlamentar, mas o social, também.
Nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha, por exemplo, políticos flagrados em comportamento incondizente com o exercício de mandato público, renunciam logo, sem escalas pelas pizzarias de plantão. Sabem que o papel de julgá-los cabe ao eleitor. É tribunal bem mais severo do que o corporativo.
O poder de fiscalizar e de prevenir a corrupção começa na própria campanha eleitoral. O território em que se disputam votos é restrito. Não há como exceder limites sem chamar a atenção dos adversários.
O candidato é obrigado a expor e a debater seus pontos de vista com esses mesmos adversários que lhe destruirão as promessas vãs, a demagogia barata, com o benefício de acabar com a farsa que é a propaganda eleitoral gratuita.
O voto distrital pode ter defeitos. Mas não esse do conluio de políticos, porque sempre há eleitores atentos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Os dois Luízes - Jayme Copstein

Luiz XVI, rei da França, escreveu em seu diário “nada a registrar”, na página correspondente a 14 de julho de 1789, dia da queda da Bastilha. Ainda pôde escutar, antes de ser decapitado, os acordes da Marselhesa.
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, nada registrou também em seu discurso de anteontem, na Fiesp, sobre o agravamento da crise que agora chega ao Palácio do Planalto.
Com os olhos postos na mais recente malandragem jurídica, a delação premiada, de seu cárcere o juiz federal Rocha Mattos reitera a participação de Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente, no abafamento das investigações sobre o assassinato de Celso Daniel.
Aparentemente, Luiz XVI não tinha porque se preocupar com a Bastilha. Afora já estar desativada, como símbolo de opressão foi um mito posterior. Parecia mais clube do que cárcere, pelo conforto e pela elegância. Há vários documentos de comprovação, entre eles a “bronca” de um prisioneiro sobre a qualidade das camisas que lhe forneceram. Uma ilustre presidiária, Madame de Staël, reclamou em suas Memórias: “No fundo do coração eu estava longe de desejar minha liberdade.”
A Luiz Inácio Lula da Silva parece vã a preocupação com a “concretude” das denúncias de corrupção, depois de içar Aldo Rebelo à presidência da Câmara, com o guincho de mais de um bilhão de reais de emendas liberadas de parlamentares.
Luiz XVI era carpinteiro por predileçãopessoal e rei por imposição da política. Luiz Inácio Lula da Silva era torneiro mecânico por imposição da vida e é presidente da República por predileção pessoal. Mas ainda que os cursos sejam diferentes, os dois Luízes se igualam a rios desaguando no mesmo estuário.

Herzog, outra versão - Jayme Copstein

O assassinato de Vladimir Herzog nos porões do II Exército, em 1975, será relembrado enfaticamente neste outubro, ao se completar o 30º aniversário. É parte do acervo de horrores que as ditaduras têm escrito em todos os países do mundo.
Procurado fora de horas, no melhor estilo nazista, para depor sobre algo que nem lhe diziam do que se tratava, Herzog pediu para se apresentar no dia seguinte. Naquele momento, tinha de pôr no ar o jornal da TV Cultura de São Paulo. Não havia quem o substituísse.
Cumpriu a promessa. Em lugar de depoimento, o esperava a tortura. Aqui se encaixa o relato de um político ligado ao regime militar e que desejou, na época, desqualificar o crime como “lamentável acidente”.
Segundo a versão, nada havia realmente contra Herzog, mas um oficial do DÓI-Codi, desgostoso com as opções de sua filha, naqueles primeiros tempos da liberação dos costumes, decidiu interrogá-lo para pedir satisfações. Atribuía às suas “idéias” o “desencaminhamento” da garota.
Os interrogatórios se faziam sempre com a presença de truculentos especialistas do “telefone“, o tapa nos ouvidos, com as duas mãos em concha. É um dos golpes mais violentos do arsenal da tortura.
No caso de Herzog, que nem conhecia a moça, achada desrespeitosa a resposta, o “telefonista” falseou uma das mãos ao aplicar o golpe e “sem querer” lhe quebrou o pescoço.
Mesmo passados 30 anos a perícia pode revelar se aconteceu ou não. Quem contou, não estava preocupado com a verdade. Queria apenas provar que a ditadura de 64 não pretendia matar ninguém.
Só conseguiu comprovar que, em qualquer ditadura, a ideologia é mero pretexto para o exercício da perversidade.

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Heranças - Jayme Copstein

Ouvintes da Rádio Gaúcha nos escrevem, desanimados com a crise política que se aprofunda e se perpetua. “Se me falassem que desceríamos, em termos de ética política, ao ponto em que chegamos, eu jamais acreditaria”, diz um deles, Mário Raymundo Carvalho Reis, de Porto Alegre.
Mário Raymundo confessa-se perplexo de ver o governo “deixando de lado as tarefas da administração, para as quais foi realmente eleito, e dedicar-se de corpo e alma a abafar as investigações que revelariam a corrupção que ele prometeu combater. Só que ele é parte dela”.
Faça-se justiça. O processo não começou agora, mas com José Sarney, dando o que não lhe pertencia em troca de cinco anos de mandato. Fernando Henrique Cardoso obteve a reeleição – triste façanha – aprofundando a técnica. Luiz Inácio Lula da Silva agora pretende atingir a perfeição.
O problema não são os personagens em si, que eles passarão. Se perguntarem a pessoas com no máximo 40 anos, poucas saberão dizer quem foram Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, os governantes mais populares do país. Menos pessoas ainda – raras, talvez, não tendo se dedicado ao estudo da História do Brasil – saberão a respeito de Hermes da Fonseca, o mais ridicularizado de todos de todos os presidentes, de Wenceslau Braz, o mais indeciso, ou Washington Luiz, o mais detestado.
Todos eles com virtudes e defeitos passaram e já quase se desvaneceram da memória nacional. Mas cada qual deixou um legado, bom ou ruim, com o qual tivemos de conviver por longos anos.
O que Sarney e Fernando Henrique, antes, e agora Luiz Inácio Lula da Silva, estão deixando como legado ao povo brasileiro? A resposta é chocante.
A política sempre foi a arte de transigir, de negociar, de se entender. Mas também sempre foi a de escolher com quem transigir, com quem negociar, com quem se entender. As decisões de Sarney e Fernando Henrique, antes, as Luiz Inácio Lula da Silva, agora, resumiram-se em tapar o nariz. E de nariz tapado, foram baixando gradativamente o nível moral dos negociadores do outro lado do balcão, até descer aos porões enlameados.
O ouvinte Mário Raymundo tem razão. Ninguém esperava por isso. Não só ele. Estamos todos perplexos.

A nossa cruz - Jayme Copstein

Fica difícil a nós, pobres mortais, esperançosos de que o Judiciário ache logo solução para seus múltiplos problemas, entender o desperdício de tempo e de energias em discutir se crucifixos, símbolo do catolicismo romano, devem ou não permanecer nos foros e tribunais.
A tese foi levada à consideração dos participantes do Congresso de Magistrados Estaduais, reunido no fim-de-semana que passou, em Santana do Livramento. Por 25 votos a 24, os crucifixos foram mantidos.
A presença de 49 votantes não chegou a ser significativa nem mesmo em relação à magistratura gaúcha. Contudo, já que envolve a fé da maioria da população brasileira, não teria sido melhor que mesmo esta minoria de magistrados debatesse as prioridades do Judiciário?
O que é mais urgente: expulsar os crucifixos das paredes dos foros e tribunais ou, por exemplo, exorcizar o demônio da burocracia que torna os processos lentos, quando não intermináveis? Não é esta a cruz que carregamos todos no Brasil?
Há uma falácia em relação à perda de fiéis no Brasil, por parte do catolicismo romano. Os motivos enfileirados para explicar as supostas perdas têm mais jeito de pressão política contra determinadas posições da Igreja em relação ao aborto, ao homossexualismo e ao divórcio do que pé na realidade. É só olhar manifestações religiosas, como as procissões de Corpus Christi e dos Navegantes, para se perceber que as coisas não são bem assim.
Os crucifixos estão nos foros e nos tribunais desde que eles existem no Brasil. Para os que crêem, não se precisa atribuir importância a esta presença.
Para os que não crêem, uma pergunta singela: que problemas pode causar à Justiça, a imagem de um humilde carpinteiro judeu, executado pelos romanos no ano 33 da nossa era?

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Os estrábicos - Jayme Copstein

Nahum Sirotsky, um dos mais bem equipados jornalistas brasileiros, ora vivendo em Israel, é quem dá a medida correta da fatuidade do conflito entre árabes e judeus. Não foi gratuita a homenagem que lhe prestaram os alunos de jornalismo da Universidade do Sul de Santa Catarina, fazendo-o paraninfo de turma recente.
Em Zero Hora de hoje, Nahum Sirostky disseca com síntese e precisão o patrimônio comum das três religiões mais influentes do mundo moderno – judaísmo, cristianismo e islamismo – mas não tenta roubar do leitor o direito de concluir por conta própria o absurdo do conflito que tanto sangue derrama pelo mundo afora.
É o velho e bom jornalismo que não se coloca, como mero beleguim, a serviço de colonialismos tardios, travestidos de salvadores da humanidade.
A matéria chama-se “Dias santos e receios”. Mostra proximidade, em 2005, dos festejos de ano novo no calendário religioso de judeus e árabes – Rosh Hashaná e Ramadã – coincidência que também pode ser assinalada com freqüência nas comemorações da Páscoa de judeus e cristãos.
Originadas as três religiões em Abraão de Ur da Caldéia, hoje Iraque, não há nenhum conteúdo verdadeiramente religioso nos conflitos entre elas. É o que não está nas contas de estrábicos que glamourizam o terrorismo, entortam de propósito o olhar para o outro lado, para obscurecer a verdade do sangue derramado na pequena escola de Beslan, nos bares e restaurantes de Bali, no metrô de Londres, de Madri ou nas Torres Gêmeas de Nova York.