terça-feira, 4 de outubro de 2005

Heranças - Jayme Copstein

Ouvintes da Rádio Gaúcha nos escrevem, desanimados com a crise política que se aprofunda e se perpetua. “Se me falassem que desceríamos, em termos de ética política, ao ponto em que chegamos, eu jamais acreditaria”, diz um deles, Mário Raymundo Carvalho Reis, de Porto Alegre.
Mário Raymundo confessa-se perplexo de ver o governo “deixando de lado as tarefas da administração, para as quais foi realmente eleito, e dedicar-se de corpo e alma a abafar as investigações que revelariam a corrupção que ele prometeu combater. Só que ele é parte dela”.
Faça-se justiça. O processo não começou agora, mas com José Sarney, dando o que não lhe pertencia em troca de cinco anos de mandato. Fernando Henrique Cardoso obteve a reeleição – triste façanha – aprofundando a técnica. Luiz Inácio Lula da Silva agora pretende atingir a perfeição.
O problema não são os personagens em si, que eles passarão. Se perguntarem a pessoas com no máximo 40 anos, poucas saberão dizer quem foram Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, os governantes mais populares do país. Menos pessoas ainda – raras, talvez, não tendo se dedicado ao estudo da História do Brasil – saberão a respeito de Hermes da Fonseca, o mais ridicularizado de todos de todos os presidentes, de Wenceslau Braz, o mais indeciso, ou Washington Luiz, o mais detestado.
Todos eles com virtudes e defeitos passaram e já quase se desvaneceram da memória nacional. Mas cada qual deixou um legado, bom ou ruim, com o qual tivemos de conviver por longos anos.
O que Sarney e Fernando Henrique, antes, e agora Luiz Inácio Lula da Silva, estão deixando como legado ao povo brasileiro? A resposta é chocante.
A política sempre foi a arte de transigir, de negociar, de se entender. Mas também sempre foi a de escolher com quem transigir, com quem negociar, com quem se entender. As decisões de Sarney e Fernando Henrique, antes, as Luiz Inácio Lula da Silva, agora, resumiram-se em tapar o nariz. E de nariz tapado, foram baixando gradativamente o nível moral dos negociadores do outro lado do balcão, até descer aos porões enlameados.
O ouvinte Mário Raymundo tem razão. Ninguém esperava por isso. Não só ele. Estamos todos perplexos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário