Fico pensando no erro grotesco, cometido quando se erradicou do currículo escolar e universitário, o estudo da organização social e política do Brasil. Foi feito sob o pretexto de ser mera doutrinação do regime militar, sob o rótulo de Estudos de Problemas Brasileiros.
Não se tratava de nada original. Ao tempo do Estado Novo, a cadeira de Moral e Cívica era até mais descarada. Não doutrinava o que quer que fosse, apenas endeusava o “chefe na Nação”.
O nosso fundamentalismo costuma demolir prédios inteiros para consertar apenas algumas goteiras do telhado. Em vez de redefinir os objetivos e conteúdos da matéria, o que se fez foi deixar de lado noções vitais para o exercício da cidadania. De pouco adianta cantar o hino nacional com ar solene quando se ignora o que é o país, como ele funciona, como o cidadão pode manifestar sua concordância ou discordância, para preservar o que quer e eliminar o indesejável.
A conseqüência é a crassa ignorância do brasileiro sobre o processo político do qual ele é agente, mas o qual ele vê como se tratasse de um clube de futebol. Assiste as partidas sem ser sócio, apenas paga entrada e porque pagou entrada, julga-se com o direito de xingar a mãe do juiz, chamar o técnico de burro, dizer palavrões à diretoria e até depredar o estádio. Ingressar em um partido político, falar, debater, arregimentar pessoas que pensem como ele, intervir nas convenções para escolher ou influir na escolha de candidatos, é com os outros, aqueles a quem xinga, não com ele.
Resultado desta alheamento, corre no país uma campanha que, segundo as pesquisas, não chega a engajar mais que 15% dos eleitores, pregando a inutilização do voto para anular o pleito.
O alarmante não é a campanha em si porque é da democracia defender-se idéias que a cada um bem aprouverem, mas o desconhecimento que a sua prática implica mais do que ser mero torcedor de arquibancada, confortavelmente instalado em um par de folgadas bermudas e com o pandulho entupido de cerveja.
O alarmante é a origem da campanha. Não nasce nem é alimentada por analfabetos, mas por pessoas que, supostamente, deveriam ter um mínimo de conhecimentos para justificar os diplomas universitários de que são portadores ou fazem parte daquela importante fração da comunidade que antigamente recebia o nome de classe produtoras.
Notável, também, é a omissão da Justiça Eleitoral para esclarecimento diante da campanha que já há tempo rola pela internet e está iludindo alguns incautos. A lei fala no reconhecimento de eleições onde sejam computados 50 por cento e mais um dos votos válidos. Como o eleitor hoje, no Brasil, não tem como anular voto, pois ele não tem mais cédulas para nelas escrever piadinhas, desenhar obscenidades ou misturar nomes de partidos adversários, o máximo que pode expressar claramente é que não deseja votar em ninguém, ou seja, quer se abster da sua cidadania. Programar teclas para anular o voto é claramente isso. Haver também uma tecla para o voto em branco, quando bastaria “abstenção”para os dois casos, é uma demasia com todo o jeito de piada.
O que pode anular a votação, não o voto, são irregularidades, bem expressas em lei, e nesse caso sim, se as urnas anuladas contiverem 50% mais um dos votos válidos, deverão convocadas novas eleições.
O Judiciário bem poderia esclarecer esta questão. Mas não o faz por uma simples razão: é que nunca aconteceu e, na prática, as possibilidade de que venha a ocorrer são nulas. Como o Judiciário só atua se acionado, e não o será nunca, em vez da resposta, só alimenta mais um mito e contribui para agravar a séria crise em que o país se afoga.
terça-feira, 15 de agosto de 2006
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Sr Jayme
ResponderExcluirexcelente artigo, gostaria de publicá-lo, com sua permissão, no blog que tenta alertar sobre esse mito e também em meu blog.
grata e um abraço
Stella
www.posturaativa.blig.ig.
com.br
http://votonulo.blig.ig.com.br/