A propósito de aparências, e também da alaúza adolescente dos últimos dias, tem o caso ocorrido no Interior do Rio Grande do Sul, de um viajante que chegou à noitinha no hotel, mas o dono relutava em hospedá-lo.
-- Não vê -- explicou -- o quarto do lado está reservado para um casal em lua de mel. Você não vai conseguir dormir com o barulho.
E completou com a risadinha safada: -- Casadinhos de fresco, sabe como é, não é?!
Foi o que bastou para espevitar o viajante. Ou assanhá-lo como diriam as vovós de antigamente.
"Não tem importância", argumentou o viajante, fingindo-se de morto."Tenho sono de pedra. Caio na cama, durmo. Não há quem me acorde."
Tanto insistiu, o hoteleiro concordou, O viajante mais que depressa enfurnou-se no quarto, apagou a luz e ficou quieto, quase imóvel, mas atento aos ruídos. Quedou-se assim um tempão. De vez em quando, sentia dormência em uma perna, cãibras na outra, mas ele firme, para ninguém desconfiar que havia gente naquele quarto. Acabou cochilando, um cochilo comprido, quando acordou, os gemidos já tinham começado no lado.
Fez de tudo para não perder nada do "espetáculo". Pôs copo na parede para amplificar o som, enlouquecido tentou subir em cima do guarda-roupa por que o hotel era uma casa velha adaptada, com o guarda-roupas tapando a porta entre um aposento e outro, mas sempre havia porta depois que o guarda-roupas terminava, podia haver uma fresta...
Em vão. Mal o dia rompeu, logo após os "derradeiros" gemidos, o casal foi embora. Quando o viajante desceu para o café, passando pela portaria, o dono do hotel o abordou:
-- Como passou a noite? perguntou. "Conseguiu dormir?"
"Consegui, sim. Mal me acordei algumas vezes", mentiu o viajante. E completou com a mesma risadinha safada do hoteleiro: "Casadinhos de fresco, sabe como é, não é?!"
-- Não, não – apressou-se o hoteleiro a esclarecer. – O casalzinho não veio, cancelou a reserva. Bem tarde chegou uma velha com um baita ataque de fígado e aquele era o único quarto vazio. Como você me disse que tinha sono de pedra, botei a velha lá....
Pois é. Por isso é que não confio nas aparências. Para não confundir lua de mel com cólica hepática.
Studio Clio
Para quem gosta das coisas da cultura, conversa sem afetação no café do Stúdio Clio, todos os dias, 5 e meia da tarde em diante. Mini pizza para acompanhar a cerveja, de dar água na boca. José do Patrocínio, 693.Bem na esquina da Alberto Torres.