quinta-feira, 4 de maio de 2006

A vez do Judiciário - Jayme Copstein

É fantasiosa a versão de que o sumiço de processos do Fórum Central de Porto Alegre é obra de interessados em destruir provas. Não encontra fundamento nas circunstâncias do fato.
Os processos estavam sendo descartados pelo cartório, por concluídos há muito tempo ou interrompidos por falta de interesse das partes. Como desleixo é marca registrada e carimbada da burocracia nacional, foram colocados em um corredor, à vista de todos, à espera de transporte para o arquivo público.
Se tal exposição viola a privacidade das pessoas, uma garantia constitucional, ela não foi levada em conta – pasmem-se todos – em área do Poder Judiciário, a quem cabe zelar pela sua preservação.
Alguém será punido? Provavelmente, não. É a tolerância com todo o tipo de transgressão que está na raiz do próprio sumiço dos processos. Alguém viu aquela papelada atirada no corredor, que lá estaria até hoje, servindo de ninho para ratos ou alimentos às baratas, se o malandro não vislumbrasse a oportunidade de ganhar alguns trocados, vendendo o bagulho para reciclagem.
Se descobrirem quem foi o malandro, com toda a certeza ele terá ficha corrida de fazer inveja aos véus de noiva das casadoiras princesas européias. Como não foi condenado pelo primeiro delito, se foi, cumpria a sentença em liberdade, ele continua com a sua indústria informal, encorajado pela leniência da Justiça.
Na outra ponta, está o receptador que jamais pode ser condenado porque, pouco afeito a cortesias, não manda convite ao meritíssimo magistrado que o julgará, quando comprar os seus cabritos. E sendo verdade para ele, é verdade também para toda a máfia do furto de fios elétricos, cabos telefônicos, trilhos ferroviários, lápides de cemitérios, monumentos públicos e desmanches de automóveis.
O Judiciário lava as mãos como Pilatos. Alega que a tolerância com o delito resulta das leis, sabidamente mal feitas por rábulas de porta de cadeia, para vender impunidade a quem possa pagar por elas. Mas não se rebela com a mesma veemência com que, em determinadas ocasiões, alguns de seus representantes reivindicam aumentos privilegiados de salários. Ou processam jornalistas para que disso não falem.
Um pingo desta indignação bastaria para forçar a revogação do código de porta de cadeia e libertar a população decente, hoje aprisionada em suas casas, boa parte dela chorando por pais, mães, esposas, filhos e filhas assassinados pelos criminosos a quem lei viciosa favorece.
O que será que vai acontecer, agora, que chegou a vez do Judiciário sofrer as conseqüências da sua própria omissão e tolerância?

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